Adelaide Vieira Machado (CHAM – Universidade NOVA de Lisboa). Orlanda Amarílis entre Certeza e Mensagem Nascida em Cabo-Verde de famílias com tradição intelectual, fez justiça à sua ascendência tornando-se uma escritora, editora, jornalista, e crítica literária, movimentando-se de forma participativa na rede de intelectuais e militantes que se foi estabelecendo em África e transversalmente na metrópole, criando núcleos de intervenção cultural e política, e de estudos africanos a nível superior. Percorrendo os seus contos, somo levados de forma sublima a rever Lisboa, mas a viajar para África, para Cabo-Verde, a todo o momento, a entender as várias camadas problemáticas de afetos e revolta que se colocavam quando a colónia encontrava o império, na metrópole. Inspirada na Claridade de 1936, mas ultrapassando a fase da procura de si e da pátria, para se situar num lugar mais interventivo já de enquadramento nacional, e nesse sentido mais africano também, participa na Certeza com um texto sobre a mulher, temática que será recorrente ao longo da sua escrita. Mais tarde em Portugal integra o movimento da Casa dos Estudantes do Império, e tem um papel ativo na edição da Mensagem, e mais tarde na Ponto & Vírgula. Através da consulta ao seu espólio que apenas iniciámos, damos conta da importância do seu papel na rede que mencionámos em cima, refletida em muitas páginas manuscritas, enquanto momentos de reflexão sobre a história da literatura africana, dosmovimentos e respetivos jornais e da solução que preconizava para um mundo do diferente, perseguindo sem esmorecer, uma harmonia de tipo novo.
Adelaide Vieira Machado é investigadora integrada do CHAM – Centro de Humanidades da FCSH/Universidade NOVA de Lisboa, desde 2014. Membro fundador desde 2015 do Grupo Internacional de Estudos da Imprensa Periódica Colonial do Império Português (GIEIPC-IP). Membro desde 2016 do projeto Imprensa e Circulação de Ideias, coordenado por Isabel Lustosa (Fundação Casa Rui Barbosa, Brasil) e Tânia de Luca (UNESP, Brasil). Membro desde 2017 do projeto Pensando Goa: uma peculiar biblioteca de língua portuguesa, coordenado por Helder Garmes.
Dandara Matos (Universidade Estadual de Campinas).O poder da palavra na guerra anticolonial. O jornal Libertação: Unidade e Luta e a luta de Guiné-Bissau e Cabo Verde contra o domínio português
A história da Guiné-Bissau e Cabo Verde é marcada por séculos de domínio colonial português que, em 1960, já perdurava por quase 500 anos. Nesse cenário de luta pela independência, uma arma poderosa emergiu: a imprensa. E no coração dessa resistência estava o jornal Libertação: Unidade e Luta, criado em 1960, cujo principal autor e líder intelectual era Amílcar Cabral, sendo publicado pelo Partido Africano da Independência - Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Este jornal não era apenas um veículo de comunicação, mas uma ferramenta essencial na guerra anticolonial. Ele desempenhou um papel crucial na educação, conscientização e mobilização da população local. Amílcar Cabral, por meio do jornal, expôs as injustiças e abusos do regime colonial, desafiando uma narrativa propagandística das autoridades portuguesas, que retratavam seu domínio como benevolente. O jornal revelou a verdadeira face da opressão colonial, inspirando uma luta unida pela autodeterminação. Em resumo, a imprensa desempenhou um papel essencial na guerra anticolonial da Guiné-Bissau e Cabo Verde, forneceu uma voz ao movimento de independência liderada pelo PAIGC. O jornal "Libertação: Unidade e Luta" não apenas informou e educou a população, mas também desafiou uma narrativa colonial, uniu as pessoas e contribuiu significativamente para o sucesso da luta pela independência dessas nações africanas.
Dandara Matos é doutoranda em História pela Universidade Estadual de Campinas (2022 -), Mestre em Estudos Africanos pelo Instituto Universitário de Lisboa (2018), Especialista em História da África, da Cultura Afro-brasileira e Africana pela Universidade Federal do Recôncavo (2016), possui graduação em História pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (2014). Tem experiência na área de História, com ênfase em História da África, lutas de independências africanas, independência e o pós independência de São Tomé e Príncipe, análise do discurso. Integra os grupos de pesquisa África em Pauta e Núcleo de estudos afro-brasileiros do Recôncavo da Bahia, NEAB-UFRB, integrante da Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros (RHN), membro da Associação Brasileira de Estudos Africanos - ABE/África.
Daniela Spina (CEComp – Universidade de Lisboa).A presença de Cabo Verde na imprensa periódica goesa pela mediação de Manuel Ferreira
De 1948 a 1953, o meio cultural de Pangim – então Nova Goa, capital do Estado da Índia Portuguesa – beneficiou da presença de Manuel Ferreira, intelectual e escritor português, que se comprometeu com a dinamização de uma série de atividades em que a imprensa periódica tinha um papel fulcral. Embora viajasse da metrópole, Ferreira vinha, na realidade, de Cabo Verde. Isto é, vinha com a esperança de encontrar Cabo Verde em Goa. Mas não sentido lusotropicalista que levará, poucos anos depois, Gilberto Freyre a descobrir o Recife na Índia, mas no sentido de reviver aquela experiência edificante que para sempre o marcou tanto pessoalmente, quanto como artista. Junto com a Orlanda Amarílis, Manuel Ferreira ia, de facto, à procura de amizades e estímulos intelectuais, aproveitando da sua influência institucional enquanto funcionário do Exército Português. A presente comunicação pretende refletir sobre a “reprodução” de Cabo Verde num dos dois projetos editoriais em que Ferreira trabalhou assiduamente, isto é, o Boletim da Emissora de Goa - o outro seria a rubrica cultural do jornal O Heraldo, “Páginas de cultura”. Com reprodução, entende-se não apenas a presença da literatura e música cabo-verdiana nestas duas publicações – o que representa uma incursão rara, ou até única, na cultura cabo-verdiana a partir de Goa –, mas também a tentativa de reproduzir, na Índia, aquele ambiente culturalmente dinâmico que tinha experienciado em Cabo Verde. Nesse sentido, emblemático é o facto de Ferreira ter escolhido a imprensa periódica, nomeadamente, um boletim e um jornal, para sacudir o meio cultural goês e estimular alguma atividade literária, tendo consciência do potencial da imprensa enquanto desencadeador de processos criativos líricos e narrativos.
Daniela Spina é investigadora integrada no Centro de Estudos Comparatistas (FLUL/ULisboa), onde também desenvolveu o seu projeto de doutoramento sobre a historiografia literária goesa (2020) e integrou a equipa do projeto exploratório FCT PORT-ASIA - Escrever a Ásia em português (2021-2023). Foi professora contratada na Università di Verona, onde lecionou o curso de Textual and Comparative Studies (2020/2021, 2021/2022) e trabalhou como docente no ensino escolar público na área de Português e Espanhol. É membro do GIEIPC-IP, do qual integra também a Comissão Organizadora.
Helder Garmes (Universidade de São Paulo). História da língua portuguesa em Cabo Verde na imprensa periódica oitocentista
Fundamentado nos estudos de Alberto Duarte Carvalho (1988) sobre o ensino da língua portuguesa em Cabo Verde, esta apresentação procura contribuir para a história da leitura em Cabo Verde no período colonial, mais especificamente no decorrer do século XIX, utilizando como fonte a imprensa periódica cabo-verdiana e destacando o Boletim Oficial de Cabo Verde (1842-) e o Almanach Luso-Africano (1895, 1899). Constata-se que a imprensa muito auxiliou no registro de aspectos importantes do aprimoramento da vida letrada cabo-verdiana de língua portuguesa, como a inauguração da primeira biblioteca pública de Cabo Verde, a implementação de escolas ou a criação de um conjunto de associações que promoviam a leitura em língua portuguesa.
Helder Garmes é Professor de Literatura Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas da Universidade de São Paulo e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É membro do Grupo Internacional de Estudos da Imprensa Periódica Colonial do Império Português (GIEIPC-IP) desde sua origem. Atualmente também ocupa o cargo de vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação de Literatura Portuguesa da USP. É autor do livro O romantismo paulista: os Ensaios Literários e o periodismo acadêmico de 1833 a 1860 (2006), organizador do livro Oriente, engenho e arte: imprensa e literatura de língua portuguesa em Goa, Macau e Timor Leste (2004), dentre outras publicações.
Jessica Rosa (Universidade Estadual de Campinas). «Só nas colônias portuguesas é que aparecem os preconceitos de raça!» O olhar da imprensa republicana são-tomense para o mundo.
A imprensa publicada em São Tomé e Príncipe durante a primeira república portuguesa, que alinhava-se aos ideais republicanos propagados pelo regime lusitano, era marcada pela circularidade internacional de informações. Por um lado, alguns de seus colaboradores, eram correspondentes, a partir do arquipélago, de jornais publicados por estudantes africanos em Lisboa. Exemplo disso é o periódico O Negro, que contava com Augusto Gamboa como um dos correspondentes. Gamboa era um dos mais importantes nomes da imprensa e da política local são-tomense. Por outro lado, muitas eram as informações a respeito da política e da legislação portuguesa que eram publicadas nestes periódicos. Era evidente que havia um constante intercâmbio de informações, que marcava a produção da imprensa local, seja ideologicamente, seja estruturalmente, ou mesmo em relação ao conteúdo. Além desse contato direto com informações vindas de e recebidas por Portugal, cabe destacar que essas pessoas tinham acesso a materiais publicados nas Américas, particularmente nos EUA, em outras partes da África (Portuguesa ou não) e na Europa. Esse intercâmbio era facilitado pela poliglotia de muitas das pessoas envolvidas nas produções destes periódicos. Por conta disso, reflexões sobre questões raciais em outras colônias africanas ou nos EUA eram constantes nas páginas dos jornais. Políticas colonialistas aplicadas na África ou na Ásia também eram temas recorrentes nos textos. A presente comunicação, pretende analisar quais abordagens eram usadas para se referir às questões coloniais e raciais fora dos domínios portugueses em África. A proposta é perceber como o racismo, o acesso a oportunidades e as políticas coloniais eram percebidas por essas pessoas ao olharem para fora. Além disso, quer-se apreender quais estratégias narrativas eram utilizadas por essas pessoas para dar força às suas reivindicações. Intenta-se compreender, por fim, como o olhar para o exterior marcava os projetos políticos das pessoas envolvidas com esses periódicos.
Jessica Rosa é Bacharel e licenciada em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente, é mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da UNICAMP, na linha de História Social da África. Atuou como professora de História em projetos de educação popular. Realiza, desde 2016, pesquisas na área de História da África, com ênfase nas relações entre História e Imprensa, Colonialismo Português, Raça e Cidadania, tendo São Tomé e Príncipe como espaço privilegiado de análise e reflexão. Em 2021 teve sua monografia, “Entre as promessas da República e a imposição do Império: projetos, disputas, sujeitos e identidades no A Liberdade, de São Tomé e Príncipe (1920-1923)”, premiada no XXIX Concurso Fausto Castilho de Monografias do IFCH/UNICAMP - 2021, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, como a melhor monografia do Instituto. É pesquisadora associada do Grupo Internacional de Estudos da Imprensa Periódica Colonial do Império Português (GIEIPC-IP).
José Évora (Instituto do Arquivo Nacional de Cabo Verde). A Guiné portuguesa no Boletim Oficial do Governo Geral Cabo Verde (1842-1879)
Na sequência do decreto do Marquês de Sá da Bandeira, datado de 1836, relativamente à criação, nas Possessões Ultramarinas Portuguesas, de publicações “que transmitam informações necessárias aos residentes,” em 1842 foi publicado em Cabo Verde o seu primeiro boletim oficial, cuja cobertura também abarcava a Guiné Portuguesa. A partir de 1845, encontramos informações variadas sobre este território administrativamente submetido a Cabo Verde, que permitem seguir, de certa forma, a sua evolução até 1879, ano em que desanexou do Governo da colónia de Cabo Verde, alcançando, deste modo, a sua autonomia administrativa. Proponho, nesta comunicação, inventariar, neste boletim, as notícias acerca da Guiné Portuguesa, no período cronológico que medeia entre 1845 e 1879, fornecendo pistas e referências a quem, porventura, venha a se interessar pelo estudo desta parcela do então Império Português, incentivando, ao mesmo tempo, o incremento de uma reflexão sobre o estudo dos boletins oficiais, matéria ainda pouco estudada entre nós. Procurarei fazer este exercício, contextualizando a situação então vivida na colónia de Cabo Verde, marcada por sublevações pró-liberais, na sequência dos acontecimentos ocorridos na metrópole, designadamente os relacionados com o liberalismo e a consequente revolução liberal de 1820. O objetivo é também procurar perceber, através deste boletim, como nesse período, este território é olhado pela administração colonial, numa altura em que as populações das então chamadas Províncias Ultramarinas Portuguesas, ainda que teoricamente, usufruem dos direitos e deveres de cidadania portuguesa.
José Évora é o atual diretor do Serviço de Pesquisas e Comunicação Documental -, Instituto do Arquivo Nacional de Cabo Verde e Secretário Executivo do Comité Nacional Cabo-verdiano da Memória do Mundo (CNC-MEMU). Integra o projeto europeu RESISTANCE: Rebellion and Resistance in the Iberian Empires, 16th-19th Centuries (n.778076-H2020- MSCA-RISE-2017), é autor de vários trabalhos sobre Cabo Verde no século XIX, nos domínios da História e do Património, com enfoque sobre as questões fundiárias e as formas de resistência, ativa e passiva, no mundo rural. É membro do Grupo Internacional de Estudos da Imprensa Periódica Colonial do Império Português (GIEIPC-IP).
Noemi Alfieri(CHAM – Universidade NOVA de Lisboa).O papel da literatura e das artes na descolonização do saber. Uma reflexão sobre arquivos e colonialidades a partir de projectos editoriais dos anos ’60
A comunicação tenciona levar a cabo uma reflexão crítica sobre a utilização de diferentes tipos de arquivo para o questionamento das fronteiras coloniais, nas suas múltiplas intersecções e sob diferentes concepções. Se as fronteiras políticas coloniais foram quebradas, em vários países do continente africano, ao longo da segunda metade do século XX, as formas e dinâmicas coloniais de produção, organização e fruição do conhecimento mantêm-se vivas graças às dinâmicas neo-coloniais e aos desequilíbrios de poder entre zonas do mundo. Este texto explora, neste sentido, o potencial dos arquivos não convencionais para a construção da(s) história(s) e de narrações que rompem com as ordens coloniais e capitalistas do conhecimento. A circulação de textos entre os projectos editoriais anticoloniais Mensagem (Lisboa, Portugal), Présence Africaine (Paris, França e Dakar, Senegal) e Black Orpheus (Ibadan, Nigéria) testemunha, apesar de vários desequilíbrios e problemáticas internas, como a perceção das fronteiras coloniais foi desafiada por iniciativas culturais e artísticas ao longo da década de 1960. Estes projectos literários resistentes serão utilizados como estudos de caso para mostrar como os arquivos podem moldar o conhecimento: as intersecções entre arquivos coloniais e anticoloniais mostrarão como as narrativas sobre a resistência podem ser reconsideradas e aprofundadas utilizando arquivos literários, correspondências e arquivos pessoais.
Noemi Alfieri é Investigadora Júnior FCT (CEEC 2022) na NOVA-FCSH, com o projeto: “Mapping anti-colonial networks through literature. Transnational connections of African thinkers in the reconfiguration of space and thought (1950s - 70s)". É membro do Centro de Humanidades e colaboradora do CLEPUL (Universidade de Lisboa). Com o mesmo projeto, foi Visiting Fellow do Africa Multiple Cluster of Excellence (University de Bayreuth, Alemanha), no ano académico 2022/23. Foi igualmente Bolseira de Pós-Doutoramento do Projeto FCT Afrolab: Building African Literatures. Institutions and Consecration inside and outside the Portuguese-Language Space 1960-2020 (FLUL). É Membro do Conselho Editorial de Práticas da História, Membro Associado do CREPAL - (Sorbonne Nouvelle), e do Grupo de Pesquisa Áfricas (UERJ-UFRJ). É membro dos projetos AFROLAB (UL) e WOMENLIT (CHAM, NOVA-FCSH).
Sandra Ataíde Lobo(CHAM – Universidade NOVA de Lisboa). Um republicano goês em Angola: Caetano da Cunha Gonçalves, o Partido Reformista de Angola e o jornal A Reforma
Nesta comunicação será abordada a participação de Caetano da Cunha Gonçalves, um magistrado, político e polígrafo oriundo das elites católicas goesas, na construção da nova ordem que se seguiu em Angola à revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, no âmbito da qual nasceu o primeiro partido formal nesse espaço, o Partido Reformista de Angola que teve por órgão o jornal A Reforma. Como aponta Aida Freudenthal no seu estudo pioneiro sobre este partido que logrou ganhar as eleições à assembleia constituinte da primeira república, estamos perante um partido colonial, entendido no sentido de um partido sobretudo formado pelas elites colonizadoras em Angola, que visava liderar o processo local e afirmar-se na discussão nacional do projecto colonial republicano. Neste quadro, discutirei a participação, no movimento e no seu órgão, deste goês, que desde os tempos de Coimbra se ligara aos circulos republicanos onde iniciou amizades duradouras designandamente com António José de Almeida, e que poucos anos antes se vira envolvido na chamada revolta nativista da Índia portuguesa.
Sandra Lobo é doutorada em História e Teoria das Ideias. Investigadora contratada pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade NOVA, no CHAM- Centro de Humanidades, com o projecto A Casa e o Mundo: a elite intellectual goesa e a imprensa periódica colonial, articulando a investigação sobre a intelectualidade anticolonial goesa com a dinamização do GIEIPC-IP, do qual é uma das impulsionadoras e coordenadoras.
Santos Garcia Simão (Universidade do Minho/Universidade Agostinho Neto). O africano na imprensa colonial
Os arquivos da imprensa colonial constituem a maior evidência e testemunho das ações promovidas durante o colonialismo. São importantes instrumentos para a percepção da ideologia colonial, perspetiva pós-colonial, ou se preferirem, da desconstrução da ideologia implantada, por um lado, para enriquecer o ego dos colonos e justificar o seu domínio; por outro lado, construir uma identidade falsa e equivocada do africano. E mais, os escritos de investigadores e exploradores ligados ao ultramar, editados e publicados no início do século XX, colocavam o africano num lugar de destaque, mas, com qualificadores diminutos, manifestos por via da expressão escrita ou visual, como veremos. No nosso entendimento, a situação agravou-se quando foram publicados diplomas que visavam, por um lado, regular e facilitar a divulgação da imprensa portuguesa e dos territórios ultramarinos, por outro lado, fomentar e intensificar a política administrativa colonial. Prova disso, temos a Carta de lei sobre o cumprimento do decreto de 4 de Julho de 1821, da liberdade de imprensa; O Estatuto Político, Social e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique, de 1926, o Acto Colonial de 1930, a Carta Orgânica do Império Colonial Português e Reforma Administrativa Ultramarina, de 1933 e o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, de 1954, este último revogado em 1961. Entretanto, utilizando o estudo exploratório, ilustrado e descritivo para análise da documentação do século XX, sobretudo, os jornais (1922-1954), teremos maior percepção do fenómeno.
Santos Garcia Simão é doutorando em História - Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, especialidade História Contemporânea. Áreas centrais à investigação: Arquivística e o Património. Mestre em Ciências da Documentacão e Informação (Arquivística), Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. Investigador integrado no Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT). Professor Auxiliar na Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Agostinho Neto.
Sérgio Neto (Universidade do Porto/CEIS20-Universidade de Coimbra). Primeira República e Primeira Guerra Mundial. A voz da Voz de Cabo Verde
Distante dos palcos bélicos da Frente Ocidental, o arquipélago de Cabo Verde, durante a Grande Guerra de 1914-1918, não deixou de viver debruçado sobre os seus próprios estruturais e graves problemas. Se a Primeira República, a princípio, suscitara entusiasmo entre as elites locais, a participação no conflito mundial suscitou apoio, mas também dúvidas nos periódicos da então colónia. Neste sentido, uma caricatura vinda a lume n’ A Voz de Cabo Verde (1911-1919), terceiro aniversário da implantação do novo regime, intitulando-se “Mãe! Manda-nos a tua Luz! Nós também somos filhos”, como que problematizava as ambiguidades da situação colonial. Ainda que a experiência directa do conflito se cingisse, na generalidade, ao avistamento e algumas investidas a navios fundeados no Porto Grande de S. Vicente, por parte de submarinos alemães, o certo é que o arquipélago se ressentiu do ponto de vista económico e social. Seja como for, os ecos da Primeira Guerra Mundial perpassaram os vários periódicos existentes, na forma de notícia, crónica, reflexão pessoal e poema. Em diálogo com os jornais da metrópole, com os soldados portugueses que, em Cabo Verde, faziam escala, a fim de rumar aos campos de batalha de Angola e Moçambique, ou através do cabo submarino que assegurava parte das comunicações entre hemisférios, a imprensa local ensaiou dar conta dos avanços e dos impasses das forças em combate, tendo privilegiado a Frente Ocidental. Da guerra, sentida como longínqua, mas omnipresente na degradação das condições de vida, compuseram os músicos cabo-verdianos mornas, das quais se destaca a dedicada ao presidente norte-americano, Woodrow Wilson, atestando a ligação à causa dos aliados. A presente comunicação pretende, assim, revisitar A Voz de Cabo Verde, mas sem perder de vista os outros jornais do arquipélago deste período, de forma a compreender o seu grau de ligação ao regime republicano e o empenhamento na propaganda de guerra, de modo a detectar eventuais vozes discordantes, porque pacifistas, e avaliar a acção da censura.
Sérgio Neto é Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e Investigador Integrado do centro de Estudos Interdisciplinares da Universidade de Coimbra (CEIS20/UC). Os seus temas de pesquisa incluem a questão (anti)colonial, com destaque para a história político-cultural de Cabo Verde, a literatura da Primeira Guerra Mundial e a Didáctica da História. É autor do livro Colónia Mártir, Colónia Modelo. Cabo Verde no Pensamento Ultramarino Português (2009) assim como co-editor de Revolution and (Post)War. Spring and Autumn in Europe and in the World (2023). Membro do GIEIPC.IP, tem apresentado comunicações em Portugal e no estrangeiro, sendo autor de diversos artigos e capítulos de livros. Dinamiza, com regularidade, sessões e palestras junto da sociedade civil.
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito dos projetos UIDB/00509/2020 e UIDP/04666/2020